quarta-feira, 8 de julho de 2015

Conflito de Casal

fonte: guystuffcounseling.com

Pai desleixado ou mãe exigente?


Hoje um casal veio pedir-me ajuda para as constantes discussões sobre os cuidados com o filho de 8 anos: "não queremos invadir o nosso filho com o nosso stress mas julgamos que ele já vai acusando um bocadinho, fica nervoso à hora de deitar, e tem dificuldade em adormecer!". 

Por vezes reproduzimos na nossa casa, no nosso ninho, com os nossos parceiros ou parceiras e filhos ou filhas, um cenário de relações que espelham as dificuldades que trazemos de trás, das relações com a nossa família de origem, principalmente no que toca à negociação entre a satisfação das nossas necessidades emocionais e as dos outros. Para este casal, foi a reação ansiosa do filho que lançou o sinal de alerta e resolveram, como outros casais, recorrer à terapia de casal. 

Joana queixa-se que André "não é capaz de cuidar do filho, que pode ficar tão ou mais ansioso do que ele se tiver que lhe dar de comer, ou de vestir, ou resolver qualquer tipo de pequeno acidente, é tudo um drama!...". Partilham comigo o momento em que André se esqueceu de levar a mochila com os cadernos para a escola, precisamente no dia em que o filho ía ser avaliado. Disse Joana: “apenas funcionou porque ele me estava sempre a ligar a perguntar o que é que devia vestir ao filho... e então, mais tarde, acabei por ligar eu a confirmar se estava tudo bem, quando, já no carro, ele me disse que não tinha levado a mochila. Acha normal, Doutor?"
Há muito tempo que Joana sente necessidade de ter tudo controlado e organizado, caso contrário tudo se desmorona. Recorda o momento em que o pai morreu, quando era pequena, a partir do qual teve que gerir a aflição da mãe que perdeu todas as capacidades de tomar decisões. Joana teve que criar uma estrutura que não falhasse, que não a deixasse sentir-se a si própria, porque se promovera, ou melhor, fora promovida, a cuidadora da própria mãe. O uso do termo "promoção" é porque acredito que quando estamos a desenvolver a nossa personalidade somos principalmente guiados por uma necessidade de validação, como se se tratasse de uma espécie de promoção emocional que nos leva a sentirmos que pertencemos àqueles que nos fazem crescer. Precisamos de nos sentirmos válidos porque isso nos autoriza a avançar sob o aval de quem consideramos competente para realizar a nossa avaliação.


Qual é a noção de competência que atribuímos ou reconhecemos nos outros quando temos 10 anos de idade? 

Provavelmente a competência, quando somos novos, implica uma sensação de influência, proteção, poder, afeto, interpretação frequente dos nossos sinais e resposta a eles. Penso, portanto, que uma criança, perante um acontecimento de vida crítico familiar que destitui a pessoa competente do lugar de competência, como a morte de um pai ou uma mãe, fará de tudo para restabelecer o equilíbrio emocional do seu protetor ou protetora. Neste processo, tendencialmente irracional, a criança acaba enfeitiçada no seu próprio feitiço, ou seja, torna-se ela própria competente, validante, crítica, gestora, cuidadora e todos os outros “oras” característicos dos adultos em posição de figuras de competência. Apenas a competência lhe trará validação enquanto que toda e qualquer aflição ou erro serão percebidos como negativos, nocivos e sinónimos de cristalização. Por esta razão, André não tem competência. Não pode ser responsável nem cuidador porque se aflige. 
André, por sua vez filho único de pais distantes, frios e autoritários, construiu o seu universo de validações através de silêncios, obediências e sucessos escolares, desbravando sempre que possível o seu mundo de aventuras privadas. Através de conversas consigo próprio aprendeu a jogar xadrez, a brincar aos legos e a ler nos seus próprios sentimentos os sentimentos dos outros. Não era autorizado a entrar nos diálogos, porque incomodava. Respondendo a Joana, diz que está farto de ser um saco de box, que "apanha, apanha e volta a apanhar”. Gostava que Joana tivesse um pouco mais de calma com a crítica, que fosse mais relaxada, que confiasse nas suas competências. Mas Joana não pode confiar e André não se pode zangar porque não se sente legitimado para responder. Joana e André criaram um cenário relacional bastante familiar para cada um deles. Aliás, Joana e André criaram “o” cenário familiar, cuja trama perpetua as dificuldades de afirmação dos filhos em relação aos pais. Não podem arriscar um confronto verdadeiro porque sairiam destruídos ou destruidores. Não podem sequer imaginar que o erro de cada um poderia ser finalmente a liberdade do outro.